Reforma Tributária: Uma breve análise da LC 214/2025 para Empresários
- Andressa Thomé
- 21 de mar.
- 6 min de leitura
Introdução
A Reforma Tributária brasileira, implementada pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e regulamentada pela Lei Complementar nº 214/2025 (LC 214/2025), representa uma transformação fundamental no sistema fiscal do país. Este artigo apresenta uma análise objetiva das principais mudanças e seus impactos para o setor empresarial, oferecendo orientações práticas para a adaptação a este novo cenário. Importante informar ao leitor que este artigo não é um tratado jurídico completo, uma vez que a lei é recente e extremamente complexa. Nosso foco é apresentar, de forma clara e objetiva, os pontos mais importantes da LC 214/2025 e os que mais impactam na prática. Abordaremos o que mudou, como o novo sistema tributário funcionará e quais os passos que sua empresa deve tomar desde já.
O Novo Sistema Tributário: Simplificação e Eficiência
A LC 214/2025 introduz uma simplificação significativa ao substituir cinco tributos existentes (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) por três novos mecanismos de arrecadação, tais quais:
1) Imposto sobre Bens e Serviços (IBS)
O IBS constitui o novo imposto de competência estadual e municipal, elencado no art. 1º, I, da LC 214/2025, inspirado no modelo do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), amplamente adotado internacionalmente. Este tributo incidirá sobre operações com bens materiais (mercadorias), bens imateriais (softwares e patentes), direitos e serviços.
O principal diferencial do IBS é a não cumulatividade plena. Este mecanismo permite que o imposto pago em etapas anteriores da cadeia produtiva gere créditos utilizáveis para abater o tributo devido nas etapas subsequentes, eliminando a tributação em cascata.
Quanto à competência tributária, cada estado e município terá autonomia para definir sua própria alíquota, respeitando uma alíquota de referência nacional. Esta estrutura, prevista no Art. 14 da LC 214/2025, equilibra a uniformidade necessária ao sistema com a autonomia federativa.
2) Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS)
A CBS representa a contrapartida federal do IBS, substituindo o PIS e a Cofins. Conforme o Art. 1º, II, da LC 214/2025, tal tributo compartilha com o IBS as características fundamentais: não cumulatividade plena e ampla incidência sobre bens e serviços.
3) Imposto Seletivo (IS)
O IS, de competência federal, possui finalidade extrafiscal, ou seja, visando regular comportamentos além da mera arrecadação, por meio de intervenção pontuais na economia. Conforme o art. 409, § 1 da LC 214/2025, incidirá de forma monofásica sobre produtos e serviços considerados prejudiciais à saúde pública ou ao meio ambiente, como tabaco, bebidas alcoólicas, bebidas açucaradas e veículos com alta emissão de poluentes, consoante prevê o art. 410 da LC 214/2025.
A arrecadação, em caráter monofásico, é concentrada exclusivamente na fase inicial da cadeia produtiva. Neste modelo, o ônus pelo recolhimento integral do tributo recai sobre os fabricantes nacionais ou importadores, que atuam como contribuintes únicos em representação de toda a cadeia subsequente. Esta sistemática centraliza a obrigação tributária em um único ponto estratégico, eliminando a necessidade de recolhimentos fracionados nas etapas posteriores de distribuição e comercialização. Os atacadistas e varejistas que adquirem estes produtos já recebem a mercadoria com a carga tributária integralmente recolhida, o que simplifica significativamente o processo de conformidade fiscal para estes agentes econômicos. |
Aspectos Fundamentais da Nova Legislação
a) Princípio da Neutralidade
O Art. 2º da LC 214/2025 estabelece a neutralidade como princípio norteador do novo sistema. O objetivo é que a tributação interfira minimamente nas decisões econômicas de consumo, produção, comercialização e investimento, tornando-se praticamente "invisível" nesses processos decisórios.
b) Base de Cálculo
Como regra geral, a base de cálculo do IBS e da CBS corresponde ao valor da operação, ou seja, o preço total cobrado pelo fornecedor do bem ou serviço. No entanto, o art. 12 e seguintes da LC 214/2025 prevê situações específicas com deduções (como descontos incondicionais art. 12º, §2, III da LC 214/2025) e regimes diferenciados de apuração.
c) Hipótese de incidência e Fato Gerador
A LC 214/2025, em seu Art. 4º, estabelece que o IBS e a CBS incidem sobre "operações onerosas com bens ou com serviços”, ou seja, qualquer fornecimento com contraprestação, in verbis:
Art. 4º O IBS e a CBS incidem sobre operações onerosas com bens ou com serviços.
§ 1º As operações não onerosas com bens ou com serviços serão tributadas nas hipóteses expressamente previstas nesta Lei Complementar.
§ 2º Para fins do disposto neste artigo, considera-se operação onerosa com bens ou com serviços qualquer fornecimento com contraprestação, incluindo o decorrente de:
I - compra e venda, troca ou permuta, dação em pagamento e demais espécies de alienação;
II - locação;
III - licenciamento, concessão, cessão;
IV - mútuo oneroso;
V - doação com contraprestação em benefício do doador;
VI - instituição onerosa de direitos reais;
VII - arrendamento, inclusive mercantil; e
VIII - prestação de serviços.
Ademais, a legislação disserta que a não só essas prestações são consideradas hipóteses de incidência, mas também, os requisitos previstos no art. 5º do mesmo texto normativo, vejamos:
Art. 5º O IBS e a CBS também incidem sobre as seguintes operações:
I - fornecimento não oneroso ou a valor inferior ao de mercado de bens e serviços, nas hipóteses previstas nesta Lei Complementar;
II - fornecimento de brindes e bonificações;
III - transmissão, pelo contribuinte, para sócio ou acionista que não seja contribuinte no regime regular, por devolução de capital, dividendos in natura ou de outra forma, de bens cuja aquisição tenham permitido a apropriação de créditos pelo contribuinte, inclusive na produção; e
IV - demais fornecimentos não onerosos ou a valor inferior ao de mercado de bens e serviços por contribuinte a parte relacionada.
Já o fato gerador (momento em que o imposto se torna exigível) ocorre tipicamente na entrega do bem, na conclusão do serviço ou na liberação alfandegária da mercadoria importada, com as devidas exceções e particularidades previstas na legislação.
d) Local da Operação
Para o IBS, que possui dimensão estadual e municipal, o art. 11 da LC 214/2025 estabelece regras específicas para determinar o local da operação, variáveis conforme a natureza da transação (bem, serviço, importação, entre outros).
e) Não Incidência e Imunidades
O Art. 6º da LC 214/2025 delimita situações de não incidência do IBS e da CBS, com destaque para as exportações, bem como, as imunidades que já existem na Constituição (Art. 9º da LC 214/2025) – por exemplo, para templos religiosos e partidos políticos.
Regimes Diferenciados e Setoriais
A LC 214/2025 institui tratamentos tributários diferenciados para setores específicos:
Setores com alíquotas de IBS e CBS reduzidas (60%)
Educação e Saúde (Art. 129 e 130)
Dispositivos Médicos e de Acessibilidade (Art. 131 e 132)
Medicamentos - alguns com redução de 60%, outros com alíquota zero (Art. 133 e 146)
Produtos destinados ao consumo humano ( Art. 135)
Produtos de higiene pessoal e limpeza majoritariamente consumidos por famílias de baixa renda(Art. 136)
Produtos Agropecuários in natura, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura. (Art. 137)
Insumos agropecuários e aquícolas (Art. 138)
Atividades Artísticas e Culturais Nacionais (Art. 139)
Segurança Cibernética e Nacional (Art. 142)
Obs. o texto normativo dispõe que somente se aplica sobre os valores devidos pela contraprestação dos serviços listados nos Anexos previstos na própria lei complementar.
Regimes Específicos
Setores com regulamentação tributária própria, incluindo regras particulares para base de cálculo, alíquotas e creditamento:
Combustíveis e lubrificantes (Art. 172)
Serviços financeiros (Art. 182)
Planos de saúde (Art. 234)
Concursos de prognósticos (Art. 244)
Sociedades cooperativas (Art. 271)
Operações com bens imóveis (Art. 251)
Bares e Restaurantes (Art. 273)
Hotelaria (Art. 277)
Implementação Gradual: O Período de Transição (2026-2033)
A reforma será implementada progressivamente ao longo de oito anos, vejamos:
No ano de 2026: Início da cobrança do CBS e IBS com alíquotas iniciais reduzidas de 0,1% (Art. 343 e 346)
2027-2028: Elevação gradual das alíquotas do IBS e da CBS em 0,05% (Art. 344 e 347)
2029-2032: Extinção progressiva dos tributos antigos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) à medida que o IBS e a CBS se consolidam (Art. 501 a 542).
Por fim em 2033: Implementação completa do novo sistema tributário, (art. 543).
Medidas de Justiça Fiscal
A reforma incorpora mecanismos para mitigar o impacto regressivo da tributação sobre o consumo:
Sistema de Cashback (Devolução): Previsão de restituição parcial do IBS e da CBS para famílias de baixa renda (Art. 112)
Cesta Básica Nacional de Alimentos: Alíquota zero para alimentos essenciais (Art. 125)
Conclusão
A Lei Complementar 214/2025 representa uma transformação estrutural no sistema tributário brasileiro, promovendo simplificação, eficiência e modernização. Para empresas e cidadãos, compreender adequadamente as novas regras e o cronograma de implementação é fundamental para a adaptação bem-sucedida ao novo cenário tributário que se consolidará nos próximos anos.
No entanto, é fundamental que os empresários compreendam que a reforma não é somente simplificação. Ela também significa uma ampliação da base de tributação. Setores que antes se beneficiavam de isenções ou regimes especiais podem passar a pagar mais impostos. O aluguel de imóveis comerciais, por exemplo, será integralmente tributado. Outros setores, como o de serviços, também sentirão os efeitos.
Portanto, a palavra-chave é preparação. Estude a lei, analise detalhadamente os impactos na sua empresa, planeje a transição, adapte seus sistemas e processos e, acima de tudo, busque o auxílio de um advogado tributarista e de um contador de confiança. A Reforma Tributária é complexa, e o apoio de especialistas é essencial para garantir que sua empresa aproveite as oportunidades e minimize os riscos.
Andressa Thomé - OAB/BA 80.377
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Referência
Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp214.htm
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