Atividade Empresarial no Brasil: Uma análise dos tipos societários
- Andressa Thomé
- 15 de abr.
- 7 min de leitura
Por Andressa Tiemi Thomé (OAB/BA 80.377) Advogada especialista em direito tributário, civil e empresarial
A decisão sobre a estrutura jurídica sob a qual uma atividade empresarial será desenvolvida representa um dos pilares fundamentais para o sucesso, a segurança e a longevidade de qualquer empreendimento no cenário brasileiro. Longe de ser uma mera formalidade burocrática a ser cumprida perante os órgãos de registro, a escolha do tipo societário adequado reverbera profundamente em aspectos cruciais da operação e da estratégia empresarial. Esta seleção impacta diretamente na extensão da responsabilidade patrimonial dos sócios ou do titular, no regime tributário ao qual a empresa estará submetida, na flexibilidade ou rigidez da sua gestão administrativa e na capacidade de atrair investimentos e captar recursos necessários para o crescimento e a expansão.
Como advogada com atuação dedicada ao estudo aprofundado do Direito Civil e Processual Civil, e com especial atenção às suas intrínsecas intersecções com o dinâmico Direito Empresarial, proponho-me a delinear, neste artigo, um panorama não apenas informativo e didático, mas também analítico, que auxilie na compreensão das nuances e implicações de cada modelo.
O Ponto de Partida: O Empresário Individual e a Exposição Patrimonial
No espectro das estruturas empresariais disponíveis, a figura do Empresário Individual (EI) surge como a mais elementar, frequentemente adotada por empreendedores em fases iniciais de suas atividades. Regulamentado a partir do artigo 966 do Código Civil , o Empresário Individual é conceituado como pessoa física que exerce, com profissionalismo, uma atividade econômica organizada com o intuito de produzir ou fazer circular bens ou serviços. Veja, a "organização" mencionada no texto legal refere-se à articulação dos fatores de produção – capital, mão de obra, insumos e tecnologia – de forma coordenada para atingir o objetivo empresarial.
A característica primordial e definidora desta modalidade reside na inexistência de uma separação patrimonial efetiva entre a pessoa física do titular e a atividade empresarial por ele desenvolvida. Na prática, isso significa que o patrimônio pessoal do empresário – seus bens particulares como imóveis, veículos, aplicações financeiras – responde de forma ilimitada e direta pelas obrigações contraídas no exercício da empresa. Não há, portanto, a proteção da personalidade jurídica autônoma que caracteriza as sociedades.
Embora apresente inegável simplicidade em seu processo de constituição, que usualmente envolve apenas o registro na Junta Comercial competente, e uma gestão menos complexa do ponto de vista formal, o risco intrínseco e substancial associado a essa responsabilidade ilimitada torna esta opção progressivamente menos atrativa e mais arriscada à medida que o volume de negócios, o número de credores e a complexidade das operações aumentam. Qualquer revés financeiro da empresa pode comprometer integralmente o patrimônio pessoal e familiar do empreendedor. Além disso, a figura do EI não permite a inclusão de sócios, limitando as possibilidades de captação de capital e partilha de gestão.
A evolução rumo à limitação da responsabilidade unipessoal: Da EIRELI à Consolidação da SLU
Buscando oferecer uma alternativa que mitigasse o elevado risco patrimonial inerente ao Empresário Individual e, simultaneamente, permitisse que uma única pessoa pudesse constituir uma pessoa jurídica com o benefício da responsabilidade limitada, o legislador brasileiro introduziu, por meio da Lei nº 12.441/2011, a figura da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI). Esta inovação foi recebida com entusiasmo, pois preenchia uma lacuna importante, permitindo ao empreendedor individual proteger seu patrimônio pessoal das dívidas empresariais. Contudo, a EIRELI nasceu com uma exigência que se mostrou um obstáculo significativo para muitos: a necessidade de integralização, no ato da constituição, de um capital social mínimo equivalente a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no país. Ademais, cada pessoa física só poderia ser titular de uma única EIRELI.
A trajetória da EIRELI, no entanto, foi relativamente curta no cenário jurídico nacional. A busca por maior simplificação e estímulo ao empreendedorismo conduziu a novas mudanças legislativas.
Primeiramente, a Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019) promoveu uma alteração crucial no artigo 1.052 do Código Civil, introduzindo o parágrafo primeiro que passou a permitir expressamente a constituição de Sociedade Limitada por uma única pessoa – a denominada Sociedade Limitada Unipessoal (SLU). Esta inovação tornou a EIRELI, com sua exigência de capital mínimo, menos vantajosa. Finalmente, com o advento da Lei nº 14.195/2021, que visou desburocratizar o ambiente de negócios, as EIRELIs existentes foram automaticamente transformadas em Sociedades Limitadas Unipessoais, independentemente de qualquer alteração nos seus atos constitutivos, e a figura da EIRELI foi efetivamente extinta do ordenamento jurídico.
A grande e incontestável vantagem da SLU sobre a extinta EIRELI, bem como sobre o Empresário Individual, é a combinação da unipessoalidade com a fundamental proteção patrimonial conferida pela responsabilidade limitada, sem a imposição de um capital social mínimo elevado para sua constituição. A SLU representa, portanto, um avanço significativo na legislação empresarial, oferecendo ao empreendedor individual a segurança jurídica da limitação da responsabilidade – onde apenas o patrimônio da empresa responde pelas dívidas sociais, salvo exceções legais como fraude ou desvio de finalidade – sem as barreiras de capital que antes restringiam o acesso a essa proteção. A SLU é, na essência, uma Sociedade Limitada, regida pelas mesmas normas (artigos 1.052 a 1.087 do Código Civil), adaptadas à realidade de um único sócio titular.
A Prevalência e Versatilidade da Sociedade Limitada (Ltda.)
A Sociedade Limitada (Ltda.), regida primordialmente pelos artigos 1.052 a 1.087 do Código Civil, permanece firmemente como o tipo societário mais adotado no Brasil. Sua vasta popularidade pode ser atribuída ao excelente equilíbrio que oferece entre uma relativa simplicidade operacional e a crucial proteção patrimonial aos seus integrantes. Este tipo societário pode ser constituído tanto em sua formatação pluripessoal, com dois ou mais sócios, quanto na já mencionada formatação unipessoal (SLU).
Na Sociedade Limitada, a responsabilidade de cada sócio é, em princípio, restrita ao valor de suas quotas no capital social. Contudo, é fundamental destacar um ponto interessante: todos os sócios respondem solidariamente pela integralização da totalidade do capital social subscrito no contrato social, conforme preceitua o artigo 1.052 do Código Civil. Isso significa que, enquanto o capital social total prometido pelos sócios não for efetivamente pago (integralizado) à sociedade, qualquer sócio pode ser chamado a responder com seu patrimônio pessoal pela parte que falta, mesmo que sua própria quota já esteja integralizada. Uma vez integralizado todo o capital subscrito, o patrimônio pessoal dos sócios fica, em regra, protegido e segregado das dívidas e obrigações da sociedade. A exceção a essa regra ocorre em situações específicas de desconsideração da personalidade jurídica, previstas no artigo 50 do Código Civil, como abuso da personalidade caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.
A constituição da Ltda. se concretiza por meio de um Contrato Social, registrado na Junta Comercial. Este documento é de vital importância, pois funciona como a "lei interna" da sociedade, estabelecendo as regras fundamentais de seu funcionamento. Nele devem constar, obrigatoriamente, elementos como a qualificação dos sócios, a denominação social, a sede, o objeto social (as atividades que a empresa desenvolverá), o capital social, a quota de cada sócio e a forma de sua integralização, a designação dos administradores e seus poderes, a participação nos lucros e perdas, entre outros aspectos essenciais.
O Código Civil confere uma considerável flexibilidade contratual aos sócios da Ltda., permitindo que muitas regras de convivência, gestão, entrada e saída de sócios sejam adaptadas às necessidades específicas do negócio e dos parceiros envolvidos, o que a torna extremamente versátil para pequenas, médias e até grandes empresas familiares ou de capital fechado. A administração pode ser exercida por um ou mais sócios, ou mesmo por terceiros não-sócios, à luz do estipulado no contrato social (artigo 1.061 do Código Civil). As deliberações sociais sobre matérias relevantes, como alteração contratual ou nomeação de administradores, geralmente seguem regras de maioria estabelecidas no Código Civil (artigos 1.071 e 1.076), mas podem ser adaptadas contratualmente para exigir quóruns qualificados, conferindo maior segurança a sócios minoritários em certos casos.
A estrutura para grandes empreendimentos e acesso ao mercado: A sociedade anônima (S/A)
Para empreendimentos de grande porte, que demandam vultosos investimentos, possuem um grande número de acionistas ou almejam acessar o mercado de capitais para financiar suas operações e expansão, a Sociedade Anônima (S/A), também conhecida como companhia, apresenta-se como a estrutura jurídica mais sofisticada e adequada. Sua regulação principal está na Lei nº 6.404/1976 (Lei das Sociedades por Ações - LSA), aplicando-se o Código Civil apenas subsidiariamente.
A característica central da S/A é ter seu capital social dividido não em quotas, mas em ações. A responsabilidade dos acionistas (os titulares das ações) é estritamente limitada ao preço de emissão das ações que eles subscreveram ou adquiriram. Uma vez integralizado o valor correspondente às suas ações, o acionista não possui qualquer responsabilidade pessoal pelas dívidas da companhia, oferecendo um nível de proteção patrimonial ainda mais robusto que o da Ltda. para o investidor individual.
As Sociedades Anônimas podem ser classificadas fundamentalmente em duas categorias: de capital aberto ou de capital fechado. As S/As de capital aberto são aquelas cujos valores mobiliários (principalmente ações, mas também debêntures, bônus de subscrição, etc.) são admitidos à negociação na bolsa de valores ou no mercado de balcão organizado. Estas companhias estão sujeitas a um rigoroso regime de regulamentação, registro e fiscalização pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia federal vinculada ao Ministério da Economia, que visa garantir a transparência das informações, a proteção dos investidores e a higidez do mercado. Já as S/As de capital fechado são aquelas cujos valores mobiliários não são negociados publicamente, circulando de forma mais restrita, geralmente entre um grupo menor de acionistas. Embora não se submetam diretamente à CVM da mesma forma que as abertas, ainda são regidas pela LSA.
A estrutura de governança corporativa da S/A é notadamente mais complexa, formal e onerosa do que a da Ltda., refletindo a separação entre propriedade (acionistas) e gestão (administradores). Ela envolve, obrigatoriamente, órgãos como a Assembleia Geral (órgão soberano que reúne os acionistas para deliberar sobre matérias fundamentais), a Diretoria (órgão executivo responsável pela gestão cotidiana e representação legal da companhia) e, facultativamente, o Conselho Fiscal (órgão de fiscalização dos atos da administração e das contas).
Nas companhias abertas, e em algumas outras hipóteses previstas em lei, é obrigatória também a existência de um Conselho de Administração, órgão colegiado de deliberação estratégica, responsável por eleger/destituir os diretores, definir as políticas gerais do negócio e supervisionar a gestão. Embora demande maior rigor formal, custos de manutenção mais elevados (incluindo publicações legais obrigatórias, conforme artigo 289 da LSA) e uma burocracia administrativa mais intensa, a S/A oferece mecanismos incomparáveis para a captação de investimentos (equity, dívida) e proporciona maior liquidez aos seus investidores, especialmente nas companhias abertas, onde as ações podem ser compradas e vendidas com facilidade no mercado secundário.
Considerações Finais
Fica evidente, portanto, que a escolha da estrutura jurídica para o exercício da atividade empresarial no Brasil não deve, em hipótese alguma, ser encarada como um ato secundário ou meramente protocolar. Cada tipo societário aqui analisado – desde a aparente simplicidade e o inerente risco patrimonial do Empresário Individual, passando pela equilibrada proteção e flexibilidade da Sociedade Limitada (seja ela unipessoal ou pluripessoal), até a sofisticada complexidade e robustez estrutural da Sociedade Anônima – possui um conjunto único de características, implicações legais, fiscais, administrativas e exigências normativas distintas.
O arcabouço normativo brasileiro, notadamente o Código Civil de 2002 e a Lei das Sociedades por Ações de 1976, com suas subsequentes e relevantes atualizações, oferece um leque considerável de opções que busca, em sua essência, atender às diversas realidades e necessidades do universo empresarial.
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