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Prescrição Intercorrente: O Que Mudou com a Lei 14.195/21?

  • Foto do escritor: Andressa Thomé
    Andressa Thomé
  • 13 de mar.
  • 7 min de leitura

Introdução


Hoje vamos mergulhar em um tema crucial para a prática jurídica: a prescrição intercorrente. Mais especificamente, vamos analisar as mudanças significativas que a Lei nº 14.195/21, também conhecida como Lei de Ambiente de Negócios, trouxe para esse instituto, e como essa lei se encaixa em um contexto mais amplo de reformas. Preparem-se para uma análise clara e objetiva, com foco nas implicações práticas dessas alterações e com base no texto legal.


O Que é Prescrição Intercorrente?


Antes de entrarmos no texto normativo, é fundamental apresentar o conceito de prescrição intercorrente. Em termos simples, trata-se de um instituto jurídico que ocorre em um processo judicial, especialmente na fase de execução, quando este fica paralisado por um período prolongado devido à inércia do credor (aquele que tem o direito a receber). Essa inércia, se estendida por um grande período de tempo, leva à perda do direito de ação, ou seja, o credor não poderá mais exigir o cumprimento da obrigação perante o poder judiciário.


Prescrição Intercorrente no CPC antes da Lei 14.195/21:


O CPC de 2015 já tratava da prescrição intercorrente (art. 921), estabelecendo que ela se aplicava no curso do processo de execução quando o exequente (credor) deixasse de promover os atos e diligências que lhe competiam. O prazo prescricional era o mesmo da pretensão inicial (art. 206-A, agora no Código Civil). Contudo, havia certa controvérsia sobre o termo inicial exato desse prazo e sobre a possibilidade de múltiplas suspensões do processo, uma vez que o texto de lei dissertava, in verbis:


Art. 921:

(...)

4º Decorrido o prazo de que trata o § 1º sem manifestação do exequente, começa a correr o prazo de prescrição intercorrente. (revogado)


A Lei 14.195/21, nesse cenário, surge como um marco. Ela não se limita a alterar o CPC; insere-se em um esforço maior de modernização do ambiente de negócios, abrangendo temas como a abertura de empresas, a proteção de acionistas, o comércio exterior e a recuperação de ativos. Dentro desse amplo espectro, a reforma da prescrição intercorrente, juntamente com outras medidas, como a modernização da citação e a criação do Sistema Integrado de Recuperação de Ativos (SIRA), visa dar maior racionalidade e eficiência ao processo judicial, em especial à fase de execução.


As Mudanças na Prescrição Intercorrente: Art. 44 da Lei 14.195/21


O Capítulo IX da Lei 14.195/21, em seu Art. 44, alterou o CPC, complementando o art. 921 e inserindo o art. 206-A no Código Civil. As principais mudanças, agora analisadas à luz do texto legal, são:


1) Contagem do Prazo (Art. 921, § 4º, CPC):


Termo Inicial: A lei é explícita em salientar que o prazo da prescrição intercorrente começa a correr a partir da primeira tentativa frustrada de localização do devedor ou de seus bens. Acabaram-se as discussões sobre qual seria esse momento.

Suspensão: A suspensão do processo por ausência de bens penhoráveis só pode acontecer uma única vez, por no máximo 1 (um) ano (conforme o § 1º do art. 921, que não foi alterado). Isso evita a suspensão ad eternum do processo.

Decorrida a suspensão, por até 1 ano, sem que seja localizado o executado ou que sejam encontrados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos, de ofício. (consoante o entendimento do § 2º do art. 921 do CPC.)


2) Interrupção do Prazo (Art. 921, § 4º-A, CPC):


Este é um parágrafo novo, crucial. A efetiva citação, intimação do devedor ou constrição de bens interrompem a prescrição intercorrente. Não basta o mero pedido; o ato precisa se concretizar.

O prazo não corre durante o tempo necessário para a citação, intimação ou constrição, desde que o credor cumpra os prazos processuais.


3) Oitiva Prévia e Extinção (Art. 921, § 5º, CPC):


O juiz pode reconhecer a prescrição intercorrente de ofício, mas deve antes intimar as partes para se manifestarem em 15 dias. Isso garante o contraditório e o princípio da não surpresa.


4) Alegação de Nulidade (Art. 921, §6º, CPC):


Somente ocorrerá se houver prejuízo efetivo, presumido em caso de não intimação do §4º.


5) Aplicação ao Cumprimento de Sentença (Art. 921, §7º, CPC):


As regras que dispõe a prescrição intercorrente se aplicam ao cumprimento de sentença.


6) Prazo da Prescrição (Art. 206-A, Código Civil):


A Lei 14.195/21 inseriu este artigo no Código Civil. Ele estabelece que a prescrição intercorrente tem o mesmo prazo da prescrição da pretensão inicial (o prazo que o credor tinha para ajuizar a ação). Isso reforça o que já estava no CPC, fazendo referência expressa ao art. 921 do CPC, mostrando a conexão entre os dois códigos.


7) Prescrição Intercorrente "Automática" (Art. 924-A, CPC):


A inovação prevê, que decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano de suspensão somado com prazo de prescrição, a extinção se opera independentemente de declaração judicial. Mas essa regra, não se aplica as execuções fiscais.


Para exemplificar e consolidar o entendimento, passamos a análise do Acórdão 1887531, da 2ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), publicado em 16/07/2024. Este julgado é extremamente relevante, pois detalha a aplicação prática das novas regras sobre prescrição intercorrente, esclarecendo pontos cruciais sobre o início da contagem do prazo, a suspensão e a retomada do curso prescricional, in verbis:


“I. A suspensão da execução pelo prazo de um ano previsto no § 1º do art. 921 do Código de Processo Civil, e consequentemente do prazo prescricional, inicia-se a partir da primeira tentativa infrutífera à localização de bens, em que o credor foi devidamente intimado (Código de Processo Civil, art. 921, §§ 4º e 6º, parte final). II. A partir desse momento (critério objetivo) inicia o período único (anual) de suspensão do curso do processo executivo e da prescrição, prazo suficiente às concretas medidas de busca a encargo da parte exequente, sendo irrelevante decisão judicial que suspende o processo em momento posterior. III. Transcorrido o período anual de suspensão do curso do processo e da prescrição e inalterado o quadro processual, o prazo prescricional retoma o curso, o que ocorre independentemente da determinação de que os autos devem ir para o arquivo ("arquivamento" provisório). IV. Não são condizentes com o artigo 921 e parágrafos do Código de Processo Civil (a partir de uma interpretação sistêmica) os intercorrentes requerimentos de diligências dirigidos pelo exequente ao Poder Judiciário, os quais não possuem efeito obstativo à suspensão do processo (e da prescrição) ou ao reinício da prescrição intercorrente, ainda que tenham sido (in)deferidos em curto período (ou não), e independentemente de eventual efetivação das diligências. V. Inalterado o cenário processual no caso concreto (não localizado bens penhoráveis do devedor) e ultimado o período anual de suspensão do prazo prescricional, a prescrição intercorrente é retomada pelo mesmo prazo de prescrição da pretensão (Código Civil, art. 206-A e Súmula 150 do Supremo Tribunal Federal).” (grifo nosso)

Acórdão 1887531, 07070752720218070007, Relator(a): FERNANDO ANTONIO TAVERNARD LIMA, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 3/7/2024, publicado no DJE: 16/7/2024.


O acórdão, de forma didática, estabelece cinco pontos principais sobre a prescrição intercorrente na execução, tais como o Início da Suspensão (Item I): O prazo de 1 ano de suspensão da execução (e, consequentemente, da prescrição intercorrente), previsto no art. 921, § 1º, do CPC, começa a correr a partir da primeira tentativa frustrada de localizar bens do devedor. É fundamental que o credor seja intimado dessa tentativa frustrada. A partir dessa intimação, inicia-se o período de suspensão. Isso reforça o que a Lei 14.195/21 disserta, ao explicitar o termo inicial, que é objetivo (primeira tentativa frustrada) e depende da ciência do credor (intimação).


O período de suspensão de até 1 ano é único. Não há múltiplas suspensões. Esse prazo é considerado suficiente para o credor realizar as diligências necessárias para encontrar bens. Uma decisão judicial posterior que determine a suspensão do processo é irrelevante para a contagem do prazo da prescrição intercorrente.


O acórdão deixa claro que a suspensão não é "reiniciada" a cada nova tentativa ou decisão judicial. O prazo de 1 ano começa a correr da primeira tentativa frustrada (com intimação do credor) e não se interrompe por decisões posteriores.


Após o período de 1 ano de suspensão, se a situação processual permanecer inalterada (ou seja, se não forem encontrados bens), o prazo da prescrição intercorrente volta a correr, independentemente de qualquer determinação judicial de arquivamento dos autos. O "arquivamento" é meramente provisório.


Reforçando a ideia de que a prescrição intercorrente, após a suspensão, retoma seu curso de forma automática, sem necessidade de despacho judicial. O credor precisa estar atento a esse prazo.


Indubitavelmente, pedidos de diligências intercorrentes feitos pelo credor ao juízo (por exemplo, novas consultas a sistemas de busca de bens) não impedem a suspensão do processo, nem a retomada do curso da prescrição intercorrente, mesmo que esses pedidos sejam deferidos ou indeferidos pelo juiz, e independentemente de as diligências serem ou não efetivadas.


Esse é um ponto crucial. O acórdão deixa claro que meros pedidos de diligências, sem resultado prático (localização de bens), não têm o poder de "paralisar" o prazo da prescrição intercorrente. O credor precisa ser efetivo na busca de bens. Se a situação processual permanecer inalterada (sem localização de bens) após o período de 1 ano de suspensão, a prescrição intercorrente retoma seu curso, pelo mesmo prazo da prescrição da pretensão inicial (conforme o art. 206-A do Código Civil e a Súmula 150 do STF).


O SIRA e o Contexto da Lei 14.195/21


Embora o Sistema Integrado de Recuperação de Ativos (SIRA), criado pelo Capítulo V da lei, não trate diretamente da prescrição intercorrente, ele é uma ferramenta fundamental para o credor. Ao facilitar a localização de bens do devedor, o SIRA pode evitar a paralisação do processo e, portanto, a ocorrência da prescrição. Da mesma forma, o Cadastro Fiscal Positivo (art. 17) pode influenciar a decisão do credor, ao fornecer informações sobre a situação fiscal do devedor.


Conclusão


A Lei nº 14.195/21 é um divisor de águas na busca por um sistema judicial mais eficiente. As modificações na prescrição intercorrente são claras ao impor maior rigor com a inércia do credor, definindo prazos com mais precisão, estabelecendo a interrupção do prazo por atos efetivos e garantindo o contraditório.


A lei, como um todo, demonstra um esforço para modernizar o ambiente de negócios no Brasil, tornando-o mais ágil e previsível. A prescrição intercorrente, agora mais bem definida, é uma peça essencial nesse esforço.


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