O Faturamento da Sua Empresa na Mira da Justiça? Entenda a Decisão do STJ que Mudou o Jogo da Penhora
- Andressa Thomé
- 8 de out.
- 7 min de leitura
Por Andressa Tiemi Thomé (OAB/BA 80.377)
Advogada especialista em direito tributário, civil e empresarial
Para todo empresário, o faturamento é mais do que um número; é o oxigênio que mantém o negócio vivo, garantindo o pagamento de salários, a compra de matéria-prima e a quitação de tributos. A ideia de ter esse fluxo financeiro diretamente bloqueado por uma ordem judicial é, compreensivelmente, um dos maiores temores de qualquer gestor. Recentemente, uma decisão de grande impacto do Superior Tribunal de Justiça (STJ), proferida no Recurso Especial nº 1.835.864-SP, alterou significativamente as regras desse jogo, tornando a penhora de faturamento uma realidade mais próxima e célere.
Este não é um artigo com "juridiquês" ou termos técnicos inacessíveis. O nosso objetivo é traduzir essa importante decisão para a realidade do seu negócio. Vamos desmistificar o que mudou, quais são os novos riscos e, mais importante, como você pode se preparar e se defender de forma estratégica. Entender este novo cenário não é mais uma opção, mas uma necessidade para a sobrevivência e a saúde financeira da sua empresa.
O Fim da Espera: Por Que a Penhora de Faturamento Ficou Mais Rápida e Direta?
Até pouco tempo atrás, vigorava no meio jurídico um entendimento que funcionava como uma espécie de barreira de proteção para as empresas. A jurisprudência majoritária exigia que o credor (seja o Fisco em uma execução fiscal, seja um fornecedor em uma cobrança comum) esgotasse todas as outras tentativas de encontrar bens para saldar a dívida antes de poder solicitar a penhora sobre o faturamento.
Isso significava que o credor precisava, primeiro, provar que havia buscado e não encontrado dinheiro em contas bancárias, veículos, imóveis, máquinas e outros ativos pertencentes à empresa devedora. Esse processo, conhecido como "esgotamento das diligências", era demorado, custoso e, muitas vezes, ineficaz, dando um fôlego valioso para o devedor se organizar ou negociar.
Contudo, a Primeira Seção do STJ, ao julgar o Tema Repetitivo 769, pôs um fim a essa exigência. A Corte pacificou o entendimento de que a necessidade de esgotamento das diligências foi, na verdade, superada desde a reforma do Código de Processo Civil (CPC) promovida pela Lei nº 11.382 em 2006.
O que isso significa na prática?
Significa que o credor não precisa mais passar anos em uma busca infrutífera por outros bens para, só então, pleitear o bloqueio de um percentual do seu faturamento. A medida tornou-se mais acessível e ágil do ponto de vista do exequente.
Exemplo Prático: Imagine uma transportadora que possui uma dívida tributária. Antigamente, a Fazenda Pública precisaria primeiro tentar penhorar o saldo em conta, depois tentar localizar e leiloar os caminhões (que poderiam estar velhos ou alienados) e só depois de demonstrar o fracasso dessas tentativas, poderia pedir a penhora do faturamento. Agora, argumentando que os caminhões são essenciais à atividade ou de difícil venda, o Fisco pode solicitar ao juiz, de forma muito mais direta, que um percentual dos valores recebidos pelos fretes seja destinado ao pagamento da dívida.
Não é "Terra Sem Lei": A Ordem de Preferência e o Poder do Juiz
Apesar de ter se tornado mais ágil, a penhora de faturamento não se transformou em uma medida arbitrária ou automática. O Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 835, estabelece uma ordem preferencial de bens a serem penhorados, e o faturamento da empresa ocupa a décima posição nessa lista. A prioridade continua sendo o dinheiro em espécie ou em contas bancárias.
Então, como o juiz pode autorizar a penhora do faturamento, que está no fim da fila, de forma mais rápida? A decisão do STJ esclareceu exatamente as hipóteses em que essa "quebra" na ordem de preferência é legítima:
Inexistência de Bens Anteriores: Se for demonstrado no processo que a empresa não possui dinheiro em conta, veículos, imóveis ou outros bens listados antes do faturamento.
Bens de Difícil Alienação: Quando os bens existentes são de difícil ou inviável venda. De que adianta penhorar um maquinário obsoleto e altamente específico, cujo leilão seria deserto ou alcançaria um valor irrisório? Nesses casos, o juiz pode concluir que a penhora de tais bens seria ineficaz e, portanto, autorizar a constrição sobre o faturamento.
Discricionariedade Fundamentada do Juiz: Esta é talvez a mudança mais sensível. O artigo 835, § 1º, do CPC, concede ao juiz o poder de alterar a ordem preferencial de acordo com as particularidades do caso concreto. Se a autoridade judicial entender que, para aquela situação específica, a penhora de faturamento é a medida mais eficiente e adequada para garantir o pagamento da dívida, ela poderá determiná-la, desde que o faça por meio de uma decisão devidamente fundamentada, explicando as razões da sua escolha.
Essa flexibilidade exige que o empresário e sua defesa jurídica estejam ainda mais atentos, pois a análise do processo se torna menos matemática e mais dependente da sensibilidade e do convencimento do magistrado.
Dinheiro no Caixa vs. Faturamento: Uma Diferença Crucial que o STJ Reconheceu
Um dos pontos mais importantes e esclarecedores da decisão do STJ foi reafirmar, com todas as letras, que penhora de faturamento não se confunde com penhora de dinheiro. Para o empresário, essa distinção é a base de toda a sua estratégia de defesa.
Penhora de Dinheiro: Ocorre sobre um valor estático, já disponível na conta corrente ou em investimentos da empresa. É a fotografia de um saldo em um determinado momento. Embora prejudicial, a empresa sabe exatamente o montante que foi bloqueado.
Penhora de Faturamento: É uma medida muito mais complexa e gravosa. Ela não incide sobre um valor parado, mas sobre o fluxo de caixa futuro e contínuo da companhia. O faturamento não é lucro. Ele representa a totalidade das receitas brutas, das quais ainda serão deduzidos todos os custos operacionais: folha de pagamento, fornecedores, impostos correntes, aluguel, logística, entre tantos outros.
O STJ reconhece que uma intervenção mal calculada no faturamento pode ser fatal. É como desviar parte do curso de um rio que abastece uma cidade: dependendo da quantidade de água desviada, a cidade pode entrar em colapso. Da mesma forma, um percentual de penhora excessivo sobre o faturamento pode inviabilizar completamente a atividade empresarial, levando à demissão de funcionários e, ironicamente, à própria incapacidade de gerar receita para quitar a dívida em execução. Essa diferenciação é um argumento jurídico poderoso a ser usado pela defesa da empresa.
A Defesa do Empresário: O Princípio da Menor Onerosidade e o Ônus da Prova
Se a sua empresa for alvo de um pedido de penhora de faturamento, a principal linha de defesa reside no Princípio da Menor Onerosidade, consagrado no artigo 805 do CPC. Esse princípio estabelece que, havendo várias formas de o credor satisfazer seu crédito, a execução deve ocorrer pelo modo menos gravoso e prejudicial ao devedor.
Contudo, a decisão do STJ trouxe um alerta fundamental, detalhado na quarta tese fixada: não basta alegar genericamente que a penhora irá quebrar a empresa. O empresário tem o ônus de provar concretamente o impacto da medida em sua operação.
Como construir essa prova?
A defesa não pode se basear em meras suposições. É imperativo apresentar ao juiz um diagnóstico financeiro robusto da empresa, incluindo:
Balanços e Demonstrações de Resultado (DRE): Para mostrar as margens de lucro (ou prejuízo) e a estrutura de custos.
Demonstrativos de Fluxo de Caixa (DFC): Para evidenciar a necessidade do faturamento para a manutenção do capital de giro.
Planilhas Detalhadas de Custos Fixos e Variáveis: Listando despesas com pessoal, aluguel, fornecedores estratégicos, tributos, etc.
Contratos e Compromissos Financeiros: Que comprovem as obrigações mensais que dependem daquela receita.
Exemplo de Defesa Estratégica: Suponha que um credor peça a penhora de 20% sobre o faturamento bruto mensal de uma indústria. A defesa da empresa apresenta um laudo contábil demonstrando que a margem de lucro líquido da companhia nos últimos 24 meses foi, em média, de 7%. A documentação prova que uma penhora de 20% sobre a receita bruta consumiria todo o lucro e ainda geraria um déficit, tornando a operação insustentável em curtíssimo prazo.
Com base nessas provas concretas, o advogado pode pleitear ao juiz:
a) A redução drástica do percentual de penhora para um patamar que não inviabilize a empresa (por exemplo, 3% do faturamento bruto).
b) A alteração da base de cálculo, sugerindo que a penhora incida sobre o faturamento líquido ou sobre o lucro, após a dedução das despesas essenciais.
c) A substituição da penhora por outra garantia, caso seja possível.
O juiz, por força da decisão do STJ, é obrigado a analisar esses elementos probatórios e a fixar um percentual que preserve a atividade empresarial.
Planejamento e Ação: Como Proteger o Coração Financeiro da Sua Empresa?
A decisão do STJ no REsp 1.835.864-SP é um marco. Ela equilibra a necessidade de dar efetividade às cobranças judiciais com a preocupação de não destruir as fontes produtivas do país. Para o empresário, a mensagem é clara: a vigilância e a organização financeira nunca foram tão cruciais.
Os pontos principais a serem retidos são: a penhora sobre o faturamento pode ser solicitada muito mais cedo no processo de execução; a distinção entre faturamento e dinheiro é vital para a sua defesa; e, por fim, a responsabilidade de provar que a medida é excessivamente prejudicial recai inteiramente sobre a empresa devedora.
Diante desse cenário, a melhor estratégia é a prevenção e a ação rápida. Mantenha uma contabilidade impecável e registros financeiros detalhados, pois eles são sua principal munição em uma batalha judicial. Não ignore notificações de cobrança, sejam elas fiscais ou cíveis. Quanto mais cedo uma negociação for iniciada, maiores as chances de evitar que a disputa chegue ao ponto drástico da penhora.
A complexidade deste tema e o alto risco envolvido demonstram a importância de uma assessoria jurídica especializada. Se sua empresa enfrenta uma execução fiscal ou cível, buscar a orientação de um advogado especialista é o passo mais inteligente para proteger seu patrimônio e a continuidade do seu negócio.
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