Distrato de Imóvel na Planta: Como Sua Empresa Pode Recuperar o Capital Investido Minimizando Prejuízos.
- Andressa Thomé
- 2 de set.
- 7 min de leitura
Por Andressa Tiemi Thomé (OAB/BA 80.377)
Advogada especialista em direito tributário, civil e empresarial
A aquisição de um imóvel na planta representa, para milhões de brasileiros, a materialização de um projeto de vida. É o culminar de anos de poupança, planejamento e a promessa de um futuro com mais segurança e conforto. A assinatura do contrato de promessa de compra e venda é um momento de celebração, um passo concreto em direção a um sonho. No entanto, o longo caminho entre a celebração do negócio e a efetiva entrega das chaves é suscetível a imprevistos que a vida, em sua imprevisibilidade, pode apresentar. Uma reestruturação financeira, a perda de um emprego, uma mudança de cidade ou mesmo a frustração com o andamento da obra podem transformar o sonho em uma fonte de grande ansiedade. É nesse cenário que surge a inevitável e angustiante pergunta: "É possível voltar atrás?".
A resposta, para alívio de muitos, é sim. O ordenamento jurídico brasileiro prevê o direito de arrependimento e a possibilidade de extinção do contrato, um processo conhecido no mercado como distrato imobiliário. Contudo, este não é um ato desprovido de consequências. A forma como o contrato é desfeito e, crucialmente, quem deu causa ao seu término, são os fatores que ditarão as repercussões financeiras para o comprador. A legislação, consolidada principalmente pela Lei nº 13.786/2018, apelidada de "Lei do Distrato", veio para trazer mais clareza a essa relação, mas seus detalhes ainda geram muitas dúvidas.
Neste artigo informativo, vamos mergulhar fundo no universo do distrato imobiliário. Explicaremos não apenas o que ele é, mas também suas bases legais, as diferenças cruciais entre desistir por vontade própria e rescindir por culpa da construtora, detalharemos os percentuais de retenção, os prazos para devolução e, o mais importante, como você, consumidor, pode e deve se proteger de cláusulas abusivas para garantir que seus direitos sejam integralmente respeitados.
Decifrando o Distrato: Mais do que um Simples Cancelamento
Antes de analisar os cenários práticos, é fundamental entender a natureza jurídica do ato. O termo "distrato" é, na essência, um novo contrato cujo objetivo é extinguir as obrigações de um contrato anterior.
Conforme o Art. 472 do Código Civil, "o distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato". Isso significa que, assim como a compra exigiu um instrumento escrito e detalhado, o seu desfazimento também deve ser formalizado por escrito.
No dia a dia, o mercado e os consumidores usam "distrato" como um termo genérico para qualquer forma de término do negócio. Tecnicamente, porém, existem diferenças:
Distrato (Resilição Bilateral): É o acordo mútuo. Ambas as partes, comprador e construtora, concordam em encerrar o negócio e definem as condições para tal.
Resolução: Ocorre quando uma das partes descumpre uma obrigação contratual (inadimplemento). O exemplo clássico é a construtora que atrasa a obra. A parte lesada "resolve" o contrato.
Rescisão: Geralmente associada à anulação do contrato por algum vício ou ilegalidade preexistente, ou quando há um prejuízo excessivo para uma das partes.
Embora pareçam detalhes puramente acadêmicos, essa distinção é vital, pois a motivação por trás do término — se foi um acordo, uma desistência unilateral do comprador ou uma falha da construtora — é o que define todo o regime de devolução de valores que veremos a seguir.
Cenário 1: A Desistência por Iniciativa do Comprador
Esta é a situação mais frequente. O comprador, por razões estritamente pessoais e sem que a construtora tenha cometido qualquer irregularidade, decide que não pode ou não quer mais continuar com o negócio. A lei reconhece esse direito, mas também protege a construtora, que teve custos com o lançamento do empreendimento, vendas e administração. É para equilibrar essa balança que a Lei do Distrato (Lei nº 13.786/2018) estabeleceu regras claras.
A Regra Geral: Retenção de até 25%
Quando o contrato é desfeito por vontade do adquirente, a construtora tem o direito de reter uma parte dos valores já pagos por ele. A lei estipula que essa penalidade não pode ultrapassar 25% da quantia paga.
Exemplo prático: Imagine que você comprou um imóvel de R$ 400.000,00 e, ao longo de dois anos, pagou um total de R$ 80.000,00 (entrada + parcelas). Ao decidir pelo distrato, a construtora poderá reter até 25% desses R$ 80.000,00, o que equivale a R$ 20.000,00. Consequentemente, você teria direito à devolução de, no mínimo, R$ 60.000,00.
O valor a ser devolvido deve ser corrigido monetariamente com base no índice previsto no contrato (geralmente o INCC durante a obra) e pago em parcela única, após o prazo de carência que a lei estabelece.
Obs: a lei estipula outros valores a ser somados a retenção, como por exemplo a integralidade da comissão de corretagem; |
A Exceção Qualificada: Retenção de até 50% com Patrimônio de Afetação
A lei prevê uma situação específica em que a multa pela desistência pode ser mais severa, chegando a até 50% dos valores pagos. Isso ocorre quando o empreendimento está submetido ao regime do patrimônio de afetação.
Mas o que isso significa? O patrimônio de afetação é uma blindagem jurídica. A construtora cria uma espécie de "cofre" contábil e financeiro exclusivo para aquela obra. Todos os recursos pagos pelos compradores daquele empreendimento, bem como o próprio terreno e as construções, ficam separados do patrimônio geral da empresa.
O objetivo é nobre: se a construtora vier a falir, os credores gerais da empresa não podem tocar nos recursos daquela obra específica, garantindo que os próprios compradores possam se organizar para terminar a construção.
Por oferecer essa segurança adicional, a lei entende que a desistência de um comprador nesse regime é mais prejudicial ao grupo de adquirentes, justificando uma penalidade maior. É crucial que a existência do patrimônio de afetação esteja clara e destacada no contrato de compra e venda.
Prazos para Devolução e a Taxa de Fruição
Prazo de Devolução: No caso de desistência do comprador, a construtora tem um prazo para efetuar a devolução do valor. Se o empreendimento estiver no regime de afetação, o prazo é de 30 dias após a emissão do "Habite-se". Nos demais casos, o prazo é de até 180 dias corridos a contar da data do distrato.
Taxa de Fruição: Uma outra dedução pode ocorrer caso o comprador já tenha recebido as chaves e tomado posse do imóvel. A construtora pode cobrar uma "taxa de fruição", que funciona como um aluguel pelo tempo em que o comprador utilizou o bem. Essa taxa é calculada sobre o valor atualizado do contrato e não pode ser cobrada de quem nunca chegou a ocupar a propriedade.
Cenário 2: O Término por Culpa Exclusiva da Construtora
Aqui, a lógica se inverte completamente. O comprador não é mais o desistente, mas a vítima de um descumprimento contratual por parte da vendedora. A situação deixa de ser uma mera desistência e passa a ser uma resolução de contrato por inadimplemento. O motivo mais comum, de longe, é o atraso na entrega da obra.
A maioria dos contratos prevê um prazo de tolerância de 180 dias após a data prometida para a entrega. Este prazo é considerado legal pela justiça, desde que expressamente previsto no contrato. Contudo, ultrapassado um único dia desse prazo de tolerância, a construtora já é considerada inadimplente.
Neste cenário, os direitos do consumidor são drasticamente ampliados, conforme o entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) na Súmula 543:
Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata e integral restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento. |
Vamos destrinchar os termos-chave:
Restituição Integral (100%): A devolução deve abranger absolutamente tudo o que foi pago, sem qualquer tipo de retenção. Isso inclui o sinal, todas as parcelas mensais, intermediárias e, um ponto muito importante, os valores pagos a título de comissão de corretagem.
Restituição Imediata: A devolução deve ser feita em parcela única, não se aplicando os prazos de 180 dias ou 30 dias após o "Habite-se". A justiça entende que o consumidor não pode ser penalizado a esperar por um dinheiro que só está sendo devolvido por culpa da própria construtora.
Correção e Juros: O montante total a ser devolvido deve ser corrigido monetariamente desde a data de cada pagamento efetuado, e sobre ele devem incidir juros de mora a partir da citação da empresa em um eventual processo judicial.
Além da devolução integral, o comprador pode, a depender do caso, pleitear indenizações por outros prejuízos, como os aluguéis que teve de pagar durante o período de atraso (danos materiais) ou mesmo uma compensação por todo o transtorno e frustração da expectativa (danos morais).
Conclusão: “O Conhecimento é Sua Maior Proteção”
A jornada de compra de um imóvel na planta é longa e complexa. A decisão de interrompê-la, seja por qual motivo for, é sempre delicada e carregada de implicações financeiras. Como vimos, a legislação brasileira estabeleceu um roteiro claro, cujo norte é sempre a identificação do responsável pelo término do contrato. A resposta a essa pergunta "a culpa é minha ou da construtora?", é o que define se você receberá de volta uma parte ou a totalidade do seu investimento.
A pressa para resolver a situação pode levar você a aceitar o termo de distrato "padrão" da construtora. No entanto, esse documento pode conter condições que comprometem seu fluxo de caixa por meses e impõem multas ilegais, mesmo quando a falha foi deles. A verdadeira agilidade não está em assinar rápido, mas em assinar certo. Uma análise jurídica prévia garante que você recupere o que é seu por direito e tenha liberdade para realocar seu capital no que realmente importa: o futuro do seu negócio.
Buscar a orientação de um advogado especialista em Direito Imobiliário não é um custo, mas um investimento na proteção do seu patrimônio. Poderá analisar as cláusulas do seu contrato original, a legalidade da proposta de distrato da construtora e, se necessário, tomar as medidas judiciais cabíveis para assegurar que você receba exatamente o que lhe é de direito, de forma justa e dentro da lei. Em uma das decisões financeiras mais importantes da sua vida, estar bem informado e bem assessorado é o que garantirá a tranquilidade que você merece.
Gostou do meu artigo? Não deixe compartilhar suas dúvidas comigo, é uma honra agregar no seu desenvolvimento intelectual.
Legislação utilizada:



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